SECOND WIND: Giulietta

(pausa a musica)




“...”


“...”

Algum tempo depois da morte do Shadow Body dinossauro, Giulietta havia parada a alguns metros à frente de Narcise, suas costas viradas para ela. A ponte havia sido completamente destruída por conta do soco atômico de Cyrano, então elas tiveram que se locomover para um cais próximo à ponte.

As duas meninas encontravam-se em puro silêncio enquanto o som dos grilos e o suave ondular das ondas do mar era a única forma de ambas lembrarem que elas viviam em um mundo de humanos.

Dez minutos haviam se passado, e as meninas não trocaram nenhuma única palavra entre si durante todo esse tempo. Narcise, em sua mente, ainda tentava organizar seus pensamentos sobre a cena fantástica que acabou de ocorrer em sua frente; Giulietta, por outro lado, encontrava-se completamente imóvel, com seu rosto impossível de ser visto pela menina mais velha.

Era um silêncio desconfortável, mas depois daquele caos, era um silêncio muito bem vindo.

Mas claro, Narcise sabia que esse silêncio não podia continuar assim. Havia algo importantíssimo que ela tinha que tratar com Giulietta, e rápido. Se a menina já havia percebido a verdade sobre o que é ser uma Undead, então não havia dúvidas que era melhor explicar tudo.

Narcise respira bem fundo… E logo, abre sua boca.


“Juli, eu-”


“Eu amo livros.”


“...”




“...Eh?”

Com seu rosto sujo de quantidades absurdas de sangue de Shadow Body, Giulietta finalmente se vira para Narcise com um largo sorriso no rosto. Qualquer imagem da menina sedenta por sangue de alguns minutos atrás havia desaparecido por completo; porém, algo ainda mais misterioso parecia ter tomado controle.


“Eu não sei se eu deixei claro, mas minha doença limitava quase todas as minhas ações. Eu não conseguia sair do meu quarto sozinha, não conseguia tomar banho sozinha, não conseguia comer sozinha… Eu mal conseguia fazer qualquer coisa sem a ajuda de alguém da minha família.”


“...Exceto ler livros.”


“...”


“Desde o começo da minha vida, eu sempre fui introduzida a vários tipos diferentes de livros já que não havia nenhum jeito de eu sair de casa. Livros infantis com lições de moral básicas, livros educativos de vários assuntos pertinentes de nosso mundo, livros de ficção em mundos fantásticos, livros de romances inalcançáveis, etc… Todo tipo de livro, basicamente.”


“Não importa que tipo de livro eu leia, minha imaginação sempre vai correr solta, não importa qual o contexto dele. Meu cérebro se esforça o máximo possível para imaginar todos os fatores do que é descrito no livro; eu imagino como é ser parte de um amor proibido entre a princesa de um reino e o príncipe de outro, ou talvez eu imagino como que é viver lutando em guerras inúteis por motivos esdrúxulos e baseados em psicopatia nacionalista; ou até como um herói lutando para salvar o mundo de um príncipe do mal; talvez até algo mais estranho, como imaginar como que é ser o tão procurado número “x” em equações de segundo grau…”


“...Eu amo imaginar coisas. Não importa qual livro eu leia, eu sempre me dedico ao máximo para fazer com que minha imaginação visualize tudo possível, transformando os meus arredores no cenário descrito no livro.”


“E claro, fazer isso é a coisa mais divertida do mundo! Eu não só aprendo milhares de coisas novas, como também consigo fazer parte de mundos em que eu nunca teria chance de vivenciar só porque algumas palavras conseguem atiçar a minha imaginação a ponto de me imergir no mundo do livro!”


“E sabe o que é melhor? Eu só consigo fazer isso porque eu sei ler.”


“...”

Do que diabos ela está falando…?


“Ler… Ler é uma bênção que muitas pessoas subestimam. Saber ler faz com que as pessoas consigam imaginar por meio de leitura de frases; e estas frases podem possuir inúmeras coisas como ideias, ações, e sentimentos. Lendo estes tipos de frases, seu cérebro é estimulado a imaginar, querendo ou não. Se em algum momento é descrito que um personagem acidentalmente cortou a ponta do dedo com uma faca de cozinha, é exatamente isso que a pessoa vai imaginar. A imaginação de cada pessoa difere, porém; pode ser que, para alguém, o corte no dedo tenha sido bem pequeno; para outra pessoa, talvez, o corte no dedo tenha sido tão profundo a ponto de escorrer sangue.”


“De primeira, lendo um livro, as pessoas geralmente costumam imaginar pelo menos uma interpretação do cenário proposto pelo escritor. Uma única interpretação que prevalecerá até o momento que a pessoa terminar o livro; claro, ela pode mudar caso o leitor venha a reler o livro com uma nova perspectiva, mas não vai mudar o fato de que ele vai seguir ainda uma trajetória fixa até ele chegar a uma interpretação final do livro.”


“E claro, tem os vários casos em que, mesmo com o leitor tendo sua própria interpretação do livro, ainda há a interpretação considerada “final” pelo autor. É quando ele diz que elemento A deve ser interpretado de forma X, ou o elemento B interpretado de forma Y, etc… Basicamente, é um caso de que, não importa o que o leitor pense; o cânon do livro é o que é.”

Com seu sorriso gradualmente se esvaindo, Giulietta suspira. Ela mira seus olhos para a Lua, como se estivesse olhando para algo que jamais poderia alcançar.


“..Bem…”


“...Isso pode soar meio pedante, mas… Você não acha isso triste?”


“...?”


“Livros são feitos para serem digeridos como comida para o cérebro. Inserindo as palavras e ideias dentro de seus olhos, eles vão alimentar seu cérebro, inevitavelmente fazendo você saborear o gosto único da imaginação. O gosto de cada livro pode ser diferente: salgado ou doce, quente ou frio, doloroso ou aliviante… Ou, em termos mais brutalmente simples, bom ou ruim. Vai depender da pessoa o que ela vai sentir.”


“...No meu caso, eu gosto de sentir tudo.”


“Quando eu leio um livro, eu quero digerir tudo que ele pode oferecer com base em interpretações diferentes, mesmo que eu tenha uma interpretação preferida. Eu quero interpretar o livro tanto como se ele fosse salgado quanto se ele fosse doce. Não importa se o autor quer que eu entenda o livro como uma história triste; eu vou fazer o máximo para entender a história de outras cento e vinte e oito maneiras diferentes e não há como ele me impedir.”


“Eu não só leio livros. Eu quero que o mundo inteiro em que o livro se passa esteja fixado exatamente no meu cérebro. Eu quero prever, desde as primeiras cinco páginas, que vários tipos de começo, meio e fim um livro pode ter. Eu quero saber quais tipos de história um personagem tem, mesmo que ele tenha ou uma ou duas mil falas. Eu quero imaginar todo tipo diferente de história em uma única história. Eu amo imaginar, e eu amo interpretar. De certa forma, pode-se dizer que eu consigo prever exatamente o que vai acontecer em um livro porque eu já imaginei que ele fosse ocorrer de uma forma específica X... E tudo isso só pode ocorrer porque eu sei ler.”


“E veja só... É exatamente isso que eu fiz agora há pouco.”


“...Oi?”

A moça finalmente deixou escapar uma exclamação vocal. Narcise ouve tudo atentamente, sempre imaginando a qual ponto ela gostaria de chegar, mas ela não esperava de qualquer forma a última frase proferida.

Sua curiosidade precisava ser saciada.


“...Como assim?”


“O que eu quero dizer é simples: se eu não soubesse ler, se eu não soubesse imaginar, se eu não soubesse interpretar, eu não teria a mínima ideia de saber não só sobre a natureza do jogo, como também não saberia como manipular o que a Cyrano tem para me providenciar. Em outras palavras…”


“...Se eu não soubesse ler, eu teria morrido para aqueles monstros.”


“...”

Narcise…

...Suspira.


“...Com todo respeito, Juli... Que papo de maluco.”


"Mas... Ainda assim, não posso negar que você realmente foi e fez aquilo tudo sendo seu primeiro dia como Undead. Isso realmente... É coisa de maluco."


“Ahahahaha… Eu concordo! Mas bem, faz sentido, não faz? Afinal, eu imagino que muita gente tenha morrido em sua primeira luta contra esses Shadow Bodies. Se eu não fosse do jeito que eu sou, eu provavelmente teria me tornado parte da estatística.”


“...”


“Sabe, eu tenho que te agradecer. Eu não iria saber que o Jogo funciona dessa forma se você não tivesse dito antes que o Pino adoraria me conhecer.”


“...Já sei. Vai me dizer que, só por eu ter dito aquilo, você interpretou a possibilidade de que o Pino…”


“...Morreu. Isso.”


"E por causa disso, eu consegui chegar ao ideal de que o Jogo não é só uma brincadeira, mas sim, uma luta por sobrevivência."


“...Entendo.”


“Logo… Mesmo que seja meio insensível dizer isso, eu lhe agradeço por ter dito aquilo para mim. Eu não estaria viva se não fosse por você.”


“Ahahahaha… De nada, eu acho.”

Narcise suspira, envolta por uma mistura de melancolia e alívio. Ela se sente triste por ter que lembrar da recente morte de seu amigo, mas ao mesmo tempo, se sente feliz por ter feito algo que garantiu a sobrevivência de Giulietta na batalha.

Mas claro, Narcise não é do tipo de pessoa que se deprime sem necessidade. Giulietta estava viva; era isso o que mais importava. Ao grudar esse fato na sua cabeça, o sorriso de Narcise logo se ilumina como uma das estrelas do céu noturno.


“Bem! Pelo visto, eu não vou ter que te explicar muita coisa sobre o jogo. Imagino que, você sendo a giga-leitora que você é, você já entendeu como os básicos dele funcionam.”


“Ah, com certeza…”


“Bem, ótimo! Então, tem-”


“...Porém.“

A interrupção súbita de Giulietta havia tomado Narcise de surpresa.


“...Tem algo que eu quero saber. De preferência, agora mesmo.”


“Hmm… Ok! Fala que eu te escuto! O quê que você quer saber, Juli?”


“Ok. Então, minha pergunta é a seguinte…”


“Por que que você atirou em mim mais cedo?”



…

…


“............Oi? Pode repetir? Acho que não ouvi direito!”

Aquela pergunta atingiu Narcise como um touro. Seu curto momento de alívio havia desaparecido em um piscar de olhos.

O sorriso de Giulietta, antes tão largo e reluzente, havia sido substituído por uma expressão severa e repleta de rancor.


“Não me venha com isso. Foi você quem me machucou antes da luta.”

Narcise não conseguia acreditar no que ela estava ouvindo. No momento em que ela achava que tudo tinha ficado ok, Giulietta disse aquilo com um tom de voz convencido demais. Era... Completamente absurdo.

Seu sorriso que tentava desviar da situação havia sido completamente destruído, e sua voz veio a tornar-se trêmula e questionadora.


“...Juli, com todo respeito... Que MERDA você tá falando?”


“Não é óbvio? Tudo que ocorreu até agora aponta que quem fez esse buraco na minha barriga foi você.”

Ela agressivamente aponta seu indicador para o ferimento gigantesco em seu abdômen, fazendo questão de enfiar seu dedo dentro do ferimento. Narcise, consumida por desgosto, elevou sua voz:


“Juli, você tá maluca! Eu te falei que a minha Shadow fica grudada no meu dedo, não tem como eu só fazer ela sair de lá!”


“Que mentira estúpida. Quando você invocou ela, eu fiz questão de olhar para ver se ela ficava grudada mesmo, e veja só, ela não estava. Ela flutua acima da ponta de seu dedo por pouquíssimos milímetros de distância.”


“Ué, isso não quer dizer nada! Mesmo ela estando ou não, ela PARECE estar grudada, então eu só falei que fica grudada por conveniência!”


“Você sentiria uma sensação de toque pela Shadow se ela realmente ficasse grudada no seu dedo. O uso de uma palavra como “grudada” implica que a Shadow não pode se desconectar do seu corpo; e isso é claramente mentira.”


“Normalmente, eu ignoraria o uso dessa palavra, visto que, realmente, “grudado” também pode significar algo como “constantemente aproximado”...”


“...Mas eu não consigo imaginar que uma Undead experiente como você diria algo assim por pura e espontânea vontade. Você queria a todo custo me impedir de saber que foi você quem atirou em mim, e mesmo uma palavrinha como essa é necessária para deixar a mentira o mais acreditável possível.”


“Porra, Juli! Qual é o teu problema?! O que foi que eu te fiz pra você pensar isso?!”


“Eu não tenho problema algum. Eu só quero saber por que você me feriu.”


“Claro, antes que você diga que pode ter sido um dos Shadow Bodies, é impossível. Nenhum daqueles dez gigantes sabia fazer alguma coisa além de morder ou bater, e aquele último Shadow Body, se ele pudesse atirar algum projétil, facilmente teria feito isso alguma hora ou outra durante a luta. Mesmo quando ele saiu de baixo d’água, eu fiz questão de dar tempo o bastante pra ele atirar algum projétil… Algo que ele não fez.”


“Você não pensou na possibilidade de outro Shadow Body escondido?!”


“Claro. Existindo um Shadow Body escondido ou não, quando se tem acesso a um projétil forte como aqueles, se ele pudesse ele já teria atirado aquele projétil uma segunda vez no meio da luta ou depois dela, não teria? Eu fiquei focada só naqueles dez monstros e no último Shadow Body; qualquer Shadow Body que tivesse acesso a aquele projétil poderia ter atirado em mim a qualquer momento.”


“Tch…”


“Ok, me diz então. Você viu qual foi o projétil que te acertou? Como que você pode ter certeza que foi um tiro da Ekho?”


“Não, eu não vi o projétil. Ele era rápido demais até para minha visão aprimorada de Undead; mas, mesmo estando quase completamente atordoada pela dor, eu consegui sentir que havia os restos de um líquido estranho nas bordas do ferimento. Viscoso demais para ser água, e grudento demais para ser sangue. Como não havia nenhuma outra substância de natureza similar no corpo dos Shadow Bodies ou até na própria Cyrano de Bergerac, eu apenas deduzi que era o mesmo líquido que havia surgido na ponta de seu dedo.”


“Se é assim, me diz então. Você viu exatamente como o tiro da Ekho funciona: ela é mais forte com base na intensidade do volume da minha voz ou de um movimento que eu, a Undead controladora, faço.”


“Você viu o quão forte era o segundo tiro por causa do meu grito; aquele tiro poderia facilmente ter te matado. Porra, você mesma ouviu: o último grito que eu dei antes de você ser ferida foi tão alto quanto o “bang” do segundo tiro. Você acha que o tiro resultante de um grito tão alto quanto aquele te deixaria só com um furinho bonito na barriga?”


“Mas é claro que não. Afinal...”


“Não foi um grito que causou o tiro, mas sim, um movimento.”

Ao ouvir aquelas palavras, Narcise instintivamente recua. Seu suor escorria frio. Giulietta jamais alternava a direção do olhar


“Ah, é?! Se é assim, qual movimento que foi?!”


“Quando você estendeu seu braço na minha direção...”


“Eu percebi… Que o seu dedo médio se contraiu.”


“E no mesmo momento em que isso ocorreu…”


“...O projétil me atingiu.”


“M-M-Mas aquilo só não poderia ser algo como uma câimbra no meu dedo?!”


“Como que isso seria possível se Undeads são biologicamente perfeitos?”


“!!!”

O suor gelado escorria pela pele de Narcise com tanta frieza; seu corpo de Undead, antes já naturalmente frio, havia se tornado em um iceberg.

A moça não conseguia retrucar com mais nada. Ela poderia tentar encontrar alguma outra desculpa, mas Giulietta já havia bloqueado todas as saídas lógicas possíveis. Claro, havia algo que a menina ainda não havia percebido, mas a própria Narcise sabia que este elemento não desprovaria o fato de que fora ela quem, de fato, quem atirou em Giulietta.


“...”


“...Narcise. Ou você me deixa tocar no líquido de sua Shadow para eu provar minha hipótese do líquido, ou você me responde de uma vez..."


"Você atirou em mim: sim ou não?”


“...”


“...”

(pausa a musica)




“...”


“...Não precisa. Eu admito. Fui eu.”


“Hm. Entendo.”

Com aquela resposta, as duas meninas novamente caem em silêncio, seus olhares jamais mirando para outro lugar além de seus próprios olhos.

Diferente do silêncio de antes, que antes possuía uma certa noção de ansiedade, este agora era composto por uma serenidade mística. A sinfonia melancólica dos grilos noturnos, por mais baixa que fosse, conseguia ser mais audível do que qualquer palavra ou pensamento que as meninas tinham em suas cabeças.

A ansiedade de Narcise havia desaparecido por completo, sendo substituída por uma expressão melancólica e ilegível. É até difícil de acreditar que a pouco tempo atrás ela gaguejava em suas palavras.

O rosto de Giulietta, por outro lado, apresentava nenhum pingo de hostilidade para alguém que acabou de massacrar onze Shadow Bodies. Mesmo que seu ataque tenha sido motivado inteiramente por vingança de uma sensação indesejada de dor, ela não parecia nem um pouco aflita com a confirmação de que sua companheira de equipe era quem a feriu mais cedo.

Ainda assim…



O silêncio, mesmo longo, dura pouco.


“...E aí?”


“E aí o quê?”


“Como assim, "e aí o quê", sua maluca? Não vai se explicar?”


“Huh! Ué, eu preciso? Se tu é uma leitora tão inteligente quanto você se diz ser, tu já deve ter adivinhado, não é? Hmph!”

Narcise diz, reagindo com um tom de voz inteiramente infantil.


“...Nn...”

A própria Giulietta parece estar levemente abalada com a resposta. Ela sempre se orgulhou de conseguir “ler” as coisas com facilidade, mas sendo respondida dessa forma, ela começa extremamente envergonhada por ter dito aquele monólogo todo.

Ainda assim, ela tinha algo a dizer.


“Você...”


“... Você é muito difícil de ler.”


“...?”

Mais outra frase que Narcise não esperava ouvir.


“Como… Assim? Você não é uma super hiper mega gênia sabe-tudo sabichona cabeçuda então?”


“Onde foi que eu falei que eu sou uma gênia em primeiro lugar…? Bem, de qualquer forma...”


“Eu te disse que você é muito parecida com meu irmão, não falei? Mesmo que eu tenha convivido com ele por quase minha vida inteira, eu ainda não consigo prever quase nada que ele vá fazer.”


“Você… É bem parecida nesse sentido. Da mesma forma que eu não consigo entender por que você enfiou aquelas orelhas de gato na minha cabeça, não consigo entender o que te levou a me ferir desse jeito. Tentar te interpretar é a mesma coisa que tentar ir por um caminho e me deparar com milhões de becos sem saída.”


“...Isso é… Um elogio?”


“Ahaha… Provavelmente.”


“Ehehehehehehe… Eu sabia, você é uma fofa tanto por fora quanto por dentro!”


“Mas sério, você realmente aceitaria “livro difícil” como um elogio? Se alguém me chamasse assim, eu certamente ficaria irritada.”


“Bem, mesmo que um livro seja difícil de interpretar, não vai mudar o fato de que ele possa ser divertido de ler, não é? Se eu sou um livro difícil, eu quero pelo menos ser um livro que faz com que as pessoas consigam rir de alegria!”


“Mas um livro difícil de interpretar consegue ser divertido de ler?”


“Um pouco de desafio não faz mal a ninguém, não acha? Especialmente para uma super-leitora como você!”


“Hm… Bom ponto.”

Que conversa estranha. Essas duas meninas que se conhecem faz pouquíssimo tempo pareciam conversar como se elas fossem amigas de longa data.

E diante disso, Giulietta…


“...Narcise, eu vou ser sincera. Eu não consigo interpretar você como uma pessoa ruim.”


“Ehehehe… N-Não é pra tanto…”


“Ah, é sim, eu te garanto. Não importa que tipo de coisa eu pense de você, eu não consigo imaginar você sendo o tipo de pessoa que age com base em algum impulso malicioso.”


“Em outras palavras… Para mim, você é o ápice da bondade.”


“Eeeeeei, ei, ei, ei. Calma lá, calma lá. Você não acha meio estranho pensar algo tão extremo de alguém que você acabou de conhecer?”


“Não. Eu posso ser só uma adolescente pedante e convencida, mas eu confio na minha intuição. Eu não consigo pensar que você atiraria em mim daquele jeito com alguma intenção cruel.”


“...”


“Mas claro, isso não muda o fato de que você realmente foi e atirou em mim.”


“Sabe, a coisa que eu mais odeio no mundo é sentir dor. Receber um corpo mil vezes melhor que o antigo só para ter ele brutalmente ferido pouco tempo depois… Pode não parecer, mas eu estou me segurando para não gritar de ódio. Mesmo que eu não consiga sentir raiva de você, não muda o fato de que eu detesto essa sensação de agonia no meu corpo mais do que tudo."


“...Tô ligada.”


“E é por isso, Narcise, que eu quero uma explicação.”

Giulietta olha fixamente para Narcise, seus olhos calmos penetrando como adagas.

Em algum momento da conversa, ela havia materializado Cyrano de Bergerac de volta em seu braço esquerdo. Ao lado da Shadow…



...A menina havia materializado uma metralhadora gigantesca, seus vários canos mirando diretamente na direção da cabeça de Narcise. O mastodonte mecânico, desenvolvido pela junção de inúmeros pedaços de carne e camadas ósseas magistralmente organizados em uma mistura de engenharia humana e crueldade alienígena, revelavam uma arma tão intimidadora que nem mesmo o armamento de um exército inteiro poderia ao menos se comparar ao seu poder destrutivo.

Ainda assim, exposto à etérea luz lunar, era inegável que até mesmo aquela gigantesca máquina de matar tinha a capacidade de se tornar em um monumento angelical.


“Por favor. Eu quero uma boa explicação. Me desculpa se eu estiver sendo egoísta, mas… Mesmo que você não conheça minha história e nem eu conheça a sua...”


“...Depois de tudo que eu passei, eu mereço.”

A qualquer momento, Giulietta poderia apenas ordenar Cyrano a atirar que ele iria. Não havia nada que pudesse impedir as gigantescas balas da metralhadora a zarparem na direção da moça, obliterando sua carne em milisegundos.

Narcise, diante de tal ameaça vindo de sua companheira, havia trocado sua expressão melancólica por nada mais, nada menos que um grande sorriso.

E com um movimento lento mas preciso;

sua minúscula Shadow aparece na ponta de seu indicador;

e, com o mesmo dedo;

ela aponta para Giulietta.




PRÓXIMO CAPÍTULO
sla mano depois da proxima noite i guess lul

ess epost nao tem literalmente nada de historia

só memes que eu fiz enquanto estava com tedio

deus é pai

Spoiler: